Arquivos criatividade - Blog do Saber https://blogdosaber.com.br/tag/criatividade/ Cultura e Conhecimento Wed, 16 Aug 2023 20:02:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.3 A capacidade de estar só https://blogdosaber.com.br/2023/08/22/a-capacidade-de-estar-so/ https://blogdosaber.com.br/2023/08/22/a-capacidade-de-estar-so/#respond Tue, 22 Aug 2023 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=2197 Ler mais]]> Fronteira e troca de objetos

Melanie Klein, cuja especialidade é a clínica infantil, traz em seu livro “Inveja e Gratidão” a importância do brincar sozinho, na presença de alguém que cuida. Assim, o indivíduo entende as fronteiras entre o eu e o outro. O que se encaixa perfeitamente com a teoria de D.W. Winnicott, apresentada em seu “O brincar e a realidade”. Segundo ele, a brincadeira e a criatividade são formas de lidar com a separação da figura materna – podendo ser representada pela mãe, pelo pai, tio ou avô. Seria como substituir essa figura por outras figuras, que, na Psicanálise, chamamos de objetos transicionais – um paninho, um ursinho de pelúcia, uma chupeta e assim vai.

O brincar e a criatividade

Quanto mais sozinhos estamos, maior a possibilidade de sermos criativos. é por isso que artistas tendem a ficar muito tempo enclausurados. Dar a oportunidade de uma criança brincar sozinha é aumentar as chances de, enquanto adulto, sobreviver sozinho. De não sofrer tanto com as perdas que a vida reserva para nós. A morte de pessoas amadas, o término de um relacionamento, a demissão de um emprego, a falência de um negócio.

Dar a oportunidade de uma criança brincar sozinha é aumentar as chances de, enquanto adulto, bater asas e voar. De conseguir tomar decisões importantes com mais facilidade e pensando mais em si do que no outro. De ser mais independente.

Da depressão ao abandono

Proporcionar um ambiente criativo é o maior presente que um indivíduo pode ganhar em sua vida. É a ferramenta mais eficiente para não só sobreviver, mas para viver uma vida mais intensa, mais presente. Questioná-lo, jogar o porquê de volta, fazê-lo pensar permite a reflexão sobre o que foi dito ou feito, coloca o indivíduo em uma posição que Klein chama de ‘depressiva’. Mas, não se preocupe, essa é a depressão do bem.

No entanto, atenção! Quando se fala em brincar só, é sempre na presença de alguém responsável, de alguém que tenha tempo para questionar. Alguém que tenha afeto para dedicar. Deixar uma criança completamente sozinha pode se enquadrar em abandono, tanto legalmente quanto pela própria interpretação infantil. 

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Rotina, por Ana Madalena https://blogdosaber.com.br/2023/02/15/rotina-por-ana-madalena/ https://blogdosaber.com.br/2023/02/15/rotina-por-ana-madalena/#respond Wed, 15 Feb 2023 12:10:15 +0000 http://blogdosaber.com.br/?p=587 Ler mais]]> Hoje é quarta-feira! Por isso temos que honrar a criatividade, o talento e a produtividade dos nossos colaboradores. Principalmente, quando esses colaboradores é quem nos proporciona essa maravilhosa audiência.

Portanto vamos ficar agora com a leitura da CRÔNICA Rotina da talentosa Ana Madalena! 

Talvez você tenha um amanhã

Talvez você tenha amigos

Talvez você até tenha tempo para dar e vender

Mas algumas pessoas só têm o hoje, igual a todos os hojes…

Rotina 

Dormia com a janela aberta, mesmo sabendo que o sol entraria muito cedo.

Não era de acordar tarde, mas também não queria saudar o astro rei.

Usava máscara nos olhos para evitar a claridade; tinha fotofobia.

Todos os dias ela acordava “na marra”, quando sentava na beira da cama, fazia suas orações e finalmente se levantava.


Era reservada, mas não perdia oportunidade de saber da vida alheia.

Ao lado da sua casa havia uma obra.

Logo cedo os pedreiros se reuniam para o café, ao mesmo tempo em que ela preparava o seu.

E enquanto aguardava as  torradas ficarem prontas, apurava os ouvidos para saber das fofocas dos trabalhadores.

Há alguns dias acompanhava o romance de um deles com uma mocinha da sua rua.

Estava indignada. Ela era de menor e ele era casado. Qualquer dia contaria tudo! Onde já se viu?


Outro pedreiro, José, um sujeito calmo, cheio de predicados, comprara um carrinho usado para presentear a esposa.

Há alguns meses estava apertado para pagar as prestações.

Não fez as contas do custo de manutenção e a gasolina tinha aumentado bastante.

A esposa não queria mais andar de ônibus; dizia que era coisa de pobre.

Ele, muito apaixonado, arranjara outro emprego, dessa vez como vigia.

Passava os dias cansado e cochilando pelos cantos.

Na única folga, dormia o dia todo enquanto a esposa reclamava que queria passear.

Ele pensou que com a pandemia ela fosse se aquietar, afinal era obesa e tinha pressão alta…


Fátima adorava escutar essas histórias mas tinha que sair para caminhar; dava voltas e mais voltas no quarteirão.

Na pracinha, fazia musculação numa dessas academias ao ar livre.

Não gostava de se exercitar, mas era importante para sua saúde.

Felizmente as pessoas da sua rua eram tão disciplinadas quanto ela.

E entre um exercício e outro, procurava saber da artrite de D. Celeste, o machucado de S. Luís e a saúde da filha de D. Arlete, uma história triste, sem solução.

Sabia que ela precisava desabafar suas dores e a ouvia com atenção.

Vez por outra aconselhava, conselhos ótimos, por sinal.

Ela própria se sentia a melhor psicóloga do mundo quando alguém lhe dizia que suas palavras surtiam efeito. E no íntimo ela pensava porque ela própria não se ouvia…


Voltava pra casa louca por um banho.

Sempre reclamava do calor! Daí até o horário de almoço era em home office, sem chance de levantar para nada.

Odiava aquele emprego mas diante da situação do país, melhor continuar.

Pelo menos tinha um fixo, carteira assinada, férias e décimo.

Ao meio dia fazia seu almoço, mas quando não estava inspirada, comia macarrão instantâneo mesmo.

Às vezes nem isso; apenas um suco para ter tempo de dar um cochilo.


À tarde digitava o relatório das cobranças que tinha feito pela manhã.

Ela negociava as dívidas dos clientes de uma corretora de imóveis.

Algumas vezes fechava ótimos acordos, mas no geral ouvia xingamento de todo tipo.

Estava tão acostumada com a gritaria no “pé do ouvido” que até abstraía; geralmente ficava escolhendo uma nova série, enquanto vez por outra dizia um “compreendo, senhor”.


Às 18.00h se ajoelhava diante da imagem de N. S. de Fátima, de quem sua mãe era devota,  e agradecia por outro dia de trabalho.

Depois se vestia com apuro e ia para a parada de ônibus.

Ali, puxava conversa com alguém disposto a uma prosa e inventava histórias sobre uma vida completamente diferente da sua, talvez sonhando em voz alta.

Se a conversa estivesse boa, pegaria o mesmo ônibus do ouvinte, fingindo fazer o mesmo percurso.

Ou, do contrário, voltaria para o silêncio da sua casa, onde jantaria qualquer coisa.

Depois, assistiria tv e pegaria no sono por volta da meia noite, com a janela aberta, até que o sol entrasse novamente no seu quarto, às cinco e quinze, dezesseis, dezessete…

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O novo jardim https://blogdosaber.com.br/2022/11/30/o-novo-jardim/ https://blogdosaber.com.br/2022/11/30/o-novo-jardim/#respond Wed, 30 Nov 2022 20:43:52 +0000 http://blogdosaber.com.br/?p=89 Ler mais]]> Nesta quinta-feira, excepcionalmente teremos, aqui na coluna crôncas, mais uma canja da nossa colaboradora ana madalena, cujo título é “o novo jardim”. O tema gira em torno de como ficou o nosso cotidiano depois da pandemia de covid-19, convivendo com as constantes perdas, físicas, materiais e emocionais. Portanto convido você para ler a bem contada crômica sobre perdas e ganhos em tempos de covid-19.

Foi como um efeito dominó. Fomos caindo um por um, o que de certa forma não foi tão ruim. Pior seria se caíssemos todos de uma só vez! Quem cuidaria de quem? Melhor assim, com pausa para se acostumar, tanto com os sintomas, quanto com os olhares desconfiados; será que aquele inocente espirro era apenas um espirro inocente?

O primeiro a ficar doente é sempre o que anuncia o porvir e vira uma espécie de espelho para os outros. Como num ballet, faz iniciar uma coreografia de atração e repulsão: penalizados com o doente, os “saudáveis” têm a empatia de querer cuidar mas,  por outro lado, denunciam o medo, legitimo, de não querer se infectar! Isso, claro, quando o inimigo não tem o nome e sobrenome de Covid-19. A impressão que tenho é que o mundo está todo infectado! E assim, depois de dois anos nos escondendo atrás de máscaras e face shields, o vírus entrou na nossa casa, só não sei se pela porta, janela, ou se pelos dois. Meu tio disse categoricamente que o vírus tinha entrado pelo elevador. Do jeito que falava, com riqueza de detalhes, parecia que podia enxergá-lo a olho nu!

A primeira pessoa que tive conhecimento de ter sido infectada pelo Covid foi minha vizinha de rua; adoeceu no começo da pandemia, quando ainda não havia vacina e o medo era uma constante. Me preocupei, pois soube pelos porteiros que ela vivia sozinha; os filhos, já casados, moravam noutra cidade e o marido há muito havia “sumido”, para nunca mais voltar. Do meu apartamento, podia ver sua casa, a única de muro baixo, com portas de vidro e cortinas sempre abertas, o que me permitia ver parte da sua rotina. Todas as manhãs ela acordava bem cedo e se dirigia ao jardim; acho que conversava com suas plantas, principalmente as orquídeas, que ficavam ao lado do conjunto de jardim, uma mesa e quatro cadeiras de ferro, pintadas de branco, com almofadinhas azuis. Ali, ela tomava seu cafezinho e pegava sol, sua vitamina diária. Aos poucos, ela se tornou parte da minha vida, pois era a primeira visão que eu tinha pela manhã.  E, por isso mesmo, estranhei quando passados três dias, não a vi.

Mesmo apreensiva, resolvi me dirigir à sua casa. Abri o portãozinho e percebi que as plantas estavam sofrendo sem água e sem as conversas diárias. Descobri, no canto do muro, uma mangueira e comecei a aguar o jardim. As roseiras, murchas, logo se recuperaram!. A cada dois dias, eu ia cedinho para aquela casa e permanecia meia hora, absorta na tarefa que eu nem sabia que me fazia tão bem!

Até que um dia ela voltou, depois de quase um mês internada. Suas sobrancelhas arquearam quando me viram, no início da manhã, conversando com suas “amigas”. Disse-me que estava feliz,  não imaginava que alguém fosse cuidar de seus tesouros. E a partir daquele dia, combinei de, vez por outra, visitá-la.

-Venha sempre que puder! Vamos tomar um café juntas; eu gosto de conversar, trocar ideias! Voce sabe, quando se tem uma ideia, no mínimo se sai com duas. Pense em alguma coisa e vamos aprender juntas!

No início da semana passada pensei estar gripada, depois a garganta  começou a fechar e uma moleza foi tomando conta de mim.  Foram três dias péssimos, sem conseguir comer, beber, sequer falar. Só me restou ler, olhar minha amiga pela janela e escrever. Confesso que essa foi a primeira vez que pensei, de fato, na finitude da minha vida e como isso afetaria  minha família e amigos. No balanço geral, percebi que eles não estão preparados para me perder. Nem eu a eles.  Esse momento mais introspectivo credito às incertezas que vivemos. Desisti de ouvir tudo que me deixasse triste e resolvi fazer uma imersão nas séries. Coincidentemente, ou não, escolhi uma que trata do luto; apesar do tema, confesso que me rendeu boas risadas. Virei a noite maratonando “After life”, uma das melhores coisas que vi recentemente.

E, para minhas noites, adotei uma prática que Aristóteles fazia uso para permanecer acordado. Não, não eram energéticos, nem café! Vi a foto de uma escultura onde ele está sentado, lendo um livro, com uma bola na mão. Uma bola pequena, como as de tênis, mas com peso, com massa, como dizem os físicos. O objetivo era, quando estivesse lendo e, caso pegasse no sono, a bola cairia, fazendo barulho. Eu comprei umas bolas de gude e presenteei à minha vizinha, que por muitas vezes presenciei  dormindo profundamente, no seu horário de leitura. Na hora que falei  desse “truque”, me perguntou  o porquê de não usarmos essa bolinha para diversas situações da vida, como quando estivéssemos com alguém…. Ficaríamos concentrados somente naquela pessoa, sem nos preocuparmos com o entorno. A bola acordaria o coração!

Aquela observação me fez pensar… Infelizmente as pessoas não se concentram mais em nada, nem nelas próprias. Uma pena, até porque a atenção é a forma mais pura de generosidade. Hoje, as redes sociais vendem atenção e nós, bobos que somos, compramos essa atenção o tempo todo.

Tive um sonho recorrente nesse período de Covid; eu dirigia por uma estrada a beira mar, com os vidros abertos. Um dos meus braços e meu rosto ficavam para fora da janela, como se eu nunca tivesse sentido uma brisa na vida. Já tentei interpretá-lo, mas talvez não signifique nada, a não ser meu desejo que o calor, insuportável, dê lugar para temperaturas mais amenas. Por alguma razão, lembrei de olhar as plantinhas da minha amiga. Levei um susto quando vi as cortinas fechadas e nenhum jarro no jardim. Como que adivinhando meus pensamentos, o porteiro interfonou; disse que tinha uma notícia triste para dar… A minha amiga tinha partido dormindo, uma morte tranquila. E, sem ter noção da minha dor, começou a falar sem parar:

– Ela estava com problemas no coração e a filha veio passar uns dias com ela. Já levaram tudo da casa, acho que venderão para uma construtora. A rua agora vai ter prédio que nem presta! Era tão tranquilo quando vim trabalhar aqui… Agora é um entra e sai de carro nessa rua, uma zoada… Ah, deixaram uma encomenda para a senhora, foi a filha dessa senhorinha que faleceu. São umas plantas, estão no jardim daqui do  prédio. O rapaz da limpeza disse que na sua casa estão todos com Covid e ele tem medo até de recolher o lixo daí … Desculpe, mas foi o que ele disse…

O porteiro ainda falou mais alguma coisa, mas não escutei. Ele é desses que adora uma conversa, acho que por passar o dia numa guarita, isolado, confinado nos seus pensamentos, interrompidos aqui e ali pelo interfone.

Nós estamos saindo do covid. Agora o efeito dominó é ao contrario; todo dia um de nós fica cada vez melhor. Nesse período, refletimos muito sobre a vida e, realisticamente, concluímos que teremos de conviver por muitos anos com os vírus. Vamos redobrar nossos cuidados, tanto físico, quanto emocionalmente. E carregaremos bolinhas imaginárias para aproveitar cada momento das nossas vidas. Não vamos economizar na atenção e no amor!

Dedico essa crônica a uma grande amiga que partiu essa semana e, devido ao meu estado de saúde, não pude dar o último adeus. Ela, que adorava plantas e pessoas, deve agora estar  cuidando de um novo jardim!

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