\u00c9 com muito orgulho e prazer que trago mais um texto in\u00e9dito da nossa ex-colaboradora e fant\u00e1stica cronista Ana Madalena para publicar, aqui na nossa coluna cr\u00f4nicas de todas as quartas-feiras do ano. Como sempre, \u00e9 imposs\u00edvel n\u00e3o ter a curiosidade de ler do come\u00e7o ao fim, n\u00e3o s\u00f3 pelo prazer, mas principalmente para ver at\u00e9 onde vai a sua imagina\u00e7\u00e3o. O t\u00edtulo, relacionamento aberto n\u00e3o \u00e9, como sempre, o que imaginamos antes de come\u00e7ar a ler e sempre me surpreendo com o desenrolar de suas hist\u00f3rias. Por isso convido voc\u00ea a ler mais essa cr\u00f4nica maravilhosa dessa fenomenal escritora.<\/p>\n\n\n\n
Que saudade das minhas viagens! Me orgulho em dizer que, quando planejo um passeio, sou disputada pelos amigos; dizem que na minha companhia n\u00e3o ficam entediados, nem sentem o tempo passar. Realmente, viajar, mesmo em pequenos grupos n\u00e3o \u00e9 para qualquer um. Eu mesma me preparo alguns meses antes; estudo temas variados para entreter quem estiver por perto. \u00d3bvio que sigo algumas regras, como n\u00e3o conversar assuntos delicados, muito menos pela manh\u00e3. Geralmente essa \u00e9 a hora de conversar amenidades, contar algum sonho, eu mesma invento v\u00e1rios, embora na vida real n\u00e3o sonhe nunca. Ou se sonho, n\u00e3o lembro. O caf\u00e9 da manh\u00e3 tem que ser festivo, com sorrisos de bom dia. Claro que muitas vezes n\u00e3o s\u00e3o retribu\u00eddos; algumas pessoas s\u00f3 acordam depois das dez, mesmo que fisicamente j\u00e1 tenham feito v\u00e1rias coisas, desde as sete. N\u00e3o se brinca com o rel\u00f3gio biol\u00f3gico!<\/p>\n\n\n\n
Gosto de dirigir, fazer viagens onde possa conhecer caminhos e, sobretudo, ver paisagens (adoro a palavra \u201csobretudo\u201d, d\u00e1 um ar de sofistica\u00e7\u00e3o ao vocabul\u00e1rio, cada vez mais empobrecido). Viajar \u00e9 uma oportunidade de aprender v\u00e1rias coisas e eu realmente me organizo para tirar o melhor proveito dessa experiencia; fa\u00e7o playlist, lanchinhos e meto o p\u00e9 na estrada! A \u00fanica coisa que me irrita \u00e9 ter hora marcada. Geralmente viajo com hotel reservado somente na chegada e no meu destino final. O meio do caminho \u00e9 sempre uma surpresa!<\/p>\n\n\n\n
N\u00e3o gosto de viajar de avi\u00e3o, principalmente voos longos. Quem gosta? Al\u00e9m de desconfort\u00e1vel, exige um grau de intimidade que me incomoda, principalmente quando meu assento \u00e9 na fileira do meio, entre estranhos. Por mais que procure fazer as coisas com anteced\u00eancia, selecionar meu lugar, as vezes acontece de grande parte dos passageiros terem me antecedido. E o percurso vira, no m\u00ednimo, um t\u00e9dio. Geralmente levo um livro, o que me salva por algum tempo, e. rezo para que as pessoas ao meu redor n\u00e3o ronquem, o que invariavelmente acontece.<\/p>\n\n\n\n
Nunca fiz um cruzeiro, embora seja um desejo antigo, mas fiquei com um p\u00e9 atr\u00e1s depois de ouvir sobre infec\u00e7\u00f5es alimentares e, mais recentemente, surtos de covid, etc. Acho que, tirando esses problemas, \u00e9 uma viagem muito boa. N\u00e3o ter que fazer e desfazer malas o tempo todo, al\u00e9m de ter uma estrutura que possibilite fazer mil coisas, \u00e9 o melhor dos mundos.<\/p>\n\n\n\n
O \u00fanico meio de transporte que tenho fobia, ou melhor, claustrofobia, \u00e9 o elevador. Sempre tive medo de entrar naquela cabine, desde quando, ainda criancinha, me mudei para um pr\u00e9dio, numa \u00e9poca quando ainda n\u00e3o era comum ter geradores residenciais. N\u00e3o, n\u00e3o foi na pr\u00e9-hist\u00f3ria, se \u00e9 o que est\u00e1 pensando. A verdade \u00e9 que a sina de ficar presa em elevadores me acompanha desde ent\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n
Na primeira vez , eu tinha sete anos de idade e vinha com minha irm\u00e3 mais nova do col\u00e9gio, no fim da tarde. N\u00f3s mor\u00e1vamos no terceiro andar, uma viagem at\u00e9 r\u00e1pida, mas mal entramos, faltou energia. Ficou tudo escuro e eu me desesperei. Ela, muito madura, segurou a minha m\u00e3o e disse que n\u00e3o me preocupasse. Minha irm\u00e3 sempre foi uma pessoa corajosa; nunca derramou uma l\u00e1grima por nervosismo, nem quando precisava tomar inje\u00e7\u00e3o. J\u00e1 eu, ao contr\u00e1rio, nasci com todos os medos! Dizem que os filhos mais velhos s\u00e3o um po\u00e7o de inseguran\u00e7a, por causa da inexperi\u00eancia dos pais, que depois do \u201cest\u00e1gio\u201d do primeiro filho, tiram de letra os pr\u00f3ximos. O primog\u00eanito que lute contra seus fantasmas, no meu caso, muitos!<\/p>\n\n\n\n
E como exerc\u00edcio contra a timidez e medos bobos, meus pais me colocaram desde cedo para fazer um curso de m\u00fasica. Quer coisa mais aterrorizante do que se apresentar para uma plateia? Minha professora, percebendo que eu gostava de saber sobre a hist\u00f3ria por tr\u00e1s da m\u00fasica, aos poucos foi quebrando meu nervosismo, me incentivando a, antes da apresenta\u00e7\u00e3o, comentar um pouco sobre a autoria da m\u00fasica a ser apresentada. Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida! Eu discorria sobre tudo, desde a vida do m\u00fasico, em um grau de intimidade como se f\u00f4ssemos os melhores amigos, at\u00e9 sobre quest\u00f5es t\u00e9cnicas da partitura. Isso quebrava um pouco minha timidez e dali seguia com menos medo de errar.<\/p>\n\n\n\n
Trouxe esse ensinamento para minha vida. No col\u00e9gio, eu sempre pedia para apresentar trabalhos, mesmo que na v\u00e9spera n\u00e3o conseguisse dormir e chorasse de nervoso. Sou canceriana e \u201cchorar\u201d \u00e9 quase como respirar; os sentimentos v\u00eam antes de mim, para o bem e para o mal. E foi assim que me tornei uma pessoa comunicativa, embora t\u00edmida. S\u00f3 eu sei o deserto que tive que atravessar para me tornar quem sou hoje.<\/p>\n\n\n\n
Fiz interc\u00e2mbio em uma \u00e9poca que n\u00e3o era comum. Ali eu realmente quebrei barreiras! Ter que conviver com pessoas de uma realidade totalmente adversa da minha foi, em princ\u00edpio, um susto, mas tamb\u00e9m uma liberta\u00e7\u00e3o. Eu n\u00e3o s\u00f3 tive que superar medos, como tamb\u00e9m super\u00e1-los noutra l\u00edngua. Minha fam\u00edlia estrangeira era maravilhosa, conversava bastante comigo e eu, envergonhada e sem saber o que falar, comecei a inventar hist\u00f3rias. O caf\u00e9 da manh\u00e3 era a minha hora da mentira; eles prestavam aten\u00e7\u00e3o a cada detalhe do que eu contava. Lembro que meu \u201cpai americano\u201d sempre perguntava se a hist\u00f3ria era em cores ( inventei uma vez de dizer que sonhava em preto e branco) e se em ingl\u00eas. No dia que respondi \u201cyes\u201d para as duas perguntas, ele me deu parab\u00e9ns e disse que eu estava totalmente adaptada \u00e0 minha nova vida. Nova vida? Quer dizer que posso ter mais de uma? Que maravilha!<\/p>\n\n\n\n
Como j\u00e1 disse antes, sou canceriana. Levo esse signo muito a s\u00e9rio, at\u00e9 porque explica grande parte das minhas a\u00e7\u00f5es. Esse ano, pelos astros, vai ser um grande ano para mim! Dizem que J\u00fapiter me atrapalhou nos \u00faltimos onze anos e finalmente merc\u00fario, que aqui comparo com minha professora de m\u00fasica, vem com tudo para abrir meus caminhos. E pelo que li, vai ser uma guinada daquelas! Novas oportunidades, desafios e, sobretudo (olha minha palavrinha preferida), uma nova vida! H\u00e1 a previs\u00e3o de eu viajar, para outro pa\u00eds! Um novo interc\u00e2mbio se abre para mim, s\u00f3 que dessa vez n\u00e3o ficarei com uma fam\u00edlia. Depois do Airbnb, a possibilidade de me hospedar em um lugar onde possa \u201cparticipar\u201d diretamente da vida de outra pessoa \u00e9 muito instigante. \u00c9 quase como um relacionamento, onde inicialmente trocamos algumas informa\u00e7\u00f5es, depois conversamos um pouco sobre nossos interesses e finalizamos quando ocupamos o espa\u00e7o daquela pessoa que aluga n\u00e3o s\u00f3 seu im\u00f3vel, como parte da sua vida. \u00c9 o que chamo de relacionamento aberto! Compartilhar uma casa, manusear objetos de outra pessoa, folhear seus livros, ver fotos de fam\u00edlia na estante\u2026 O meu primeiro relacionamento aberto foi em um outono distante, quando aluguei um quarto numa casa linda, cercada de pinheiros e esquilos, o famoso \u201cbed and breakfest\u201d. Depois que selecionei o local, que entrei em contato com o propriet\u00e1rio e quando j\u00e1 est\u00e1vamos quase amigos, ele precisou viajar na v\u00e9spera da minha chegada. Para minha surpresa, ele deixou um bilhete de boas vindas, em cima do balc\u00e3o da cozinha, junto com v\u00e1rios cupcakes que devo ter mencionado que gostava nas nossas conversas. A geladeira estava abastecida, e na porta, pregado com um im\u00e3, nome de v\u00e1rios mercadinhos e dicas de locais interessantes para conhecer.<\/p>\n\n\n\n
E foi assim que vivi outra vida, de tantas que j\u00e1 tive oportunidade de viver. Raramente me hospedo em hot\u00e9is, gosto de conhecer novas pessoas e formas de viver. De comum, todos \u201cAirbnbistas\u201d que conheci, t\u00eam a cultura do desapego, de uma vida minimalista, al\u00e9m de uma lista de regras para boa conviv\u00eancia, que poderiam perfeitamente existir em todos os lugares, inclusive nas nossas pr\u00f3prias fam\u00edlias. Sou muito a favor do que \u00e9 dito, do n\u00e3o deixar subentendido. Todas essas pessoas com quem pude partilhar um pouco, tornaram-se amigos, principalmente com a ajuda das redes sociais.<\/p>\n\n\n\n
Algu\u00e9m disse, certa vez, que n\u00e3o \u00e9 a dist\u00e2ncia que separa as pessoas, mas o \u201ctanto faz\u201d\u2026 Tenho amigos espalhados pelos quatro cantos do mundo, de v\u00e1rias vidas que j\u00e1 vivi, para quem nunca fui \u201ctanto faz\u201d e com quem divido minha \u201ccamuflada\u201d timidez. \u00c0 eles, dedico meu patrim\u00f4nio emocional.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"