Amigos, \u00e0 segunda vista, sempre s\u00e3o os mesmos.<\/p>\n\n\n\n
N\u00e3o me pergunte o porqu\u00ea, mas eu realmente adoro o inverno. <\/p>\n\n\n\n
Acho que sou dessas pessoas que gosta de folhas secas, dias cinzentos, caf\u00e9 em x\u00edcaras bordadas e a leitura de poemas de inundar os olhos. <\/p>\n\n\n\n
Eu devo ter uma alma barroca na forma, e ancestral nos costumes, daquelas que gostam de poesia, flores na janela, sinos na capela e jantar a luz de velas, para rimar.<\/p>\n\n\n\n
Essa sou eu, muito embora algumas pessoas me vejam diferente, como se eu fosse uma pessoa solar, dessas que estampam a alegria do ver\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n
Ainda bem que mudamos de esta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n
Dito isto, quero dizer que n\u00e3o significa que eu seja uma pessoa introspectiva, calada, muito pelo contr\u00e1rio. <\/p>\n\n\n\n
At\u00e9 queria ser mais comedida, mas gosto de praticar a verve e sei que, quem muito fala, muita bobagem diz. Pensando nisso, resolvi ir a um retiro, para fazer voto de silencio. <\/p>\n\n\n\n
Dizem que leva-se 28 dias para modificar um h\u00e1bito; me inscrevi para a temporada de 35 dias, o m\u00e1ximo por vez. Confesso que n\u00e3o foi f\u00e1cil, mas consegui! <\/p>\n\n\n\n
O que eu n\u00e3o verbalizei, virou rascunho, alguns at\u00e9 sem nexo, como sem nexo deve ser alguma parte de mim. <\/p>\n\n\n\n
Revirei v\u00e1rias gavetas internas e tive que ter uma for\u00e7a extra para enfrentar melancolias, quando tive tempo de sobra para refletir. <\/p>\n\n\n\n
E uma dessas reflex\u00f5es veio com uma frase que recebi dentro de um envelope posto por baixo da porta: \u201cTive grandes preocupa\u00e7\u00f5es na vida; a maioria das quais nunca aconteceu\u201d. Mark Twain.<\/p>\n\n\n\n
Do retiro espiritual para c\u00e1, j\u00e1 se passaram muitos anos.<\/p>\n\n\n\n
De fato, tive uma mudan\u00e7a significativa de h\u00e1bitos e hoje me considero uma pessoa mais calma, tranquila. A pandemia s\u00f3 veio refor\u00e7ar essa quietude, mas, diferentemente do retiro, dessa vez fiz voto de sil\u00eancio por \u201cwa\u201d. <\/p>\n\n\n\n
Tive tempo de, finalmente, estar presente na vida das pessoas que eu realmente considero, coisa que, na correria do dia a dia, era mais dif\u00edcil. <\/p>\n\n\n\n
Algumas refor\u00e7aram esse sentimento bom, outras foram uma total decep\u00e7\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n
A verdade \u00e9 que, \u00e0 segunda vista, nem todos passaram na minha peneira.<\/p>\n\n\n\n
Fiquei triste, em princ\u00edpio, mas depois lembrei da frase de Mark Twain e resolvi que n\u00e3o faria disso uma quest\u00e3o na minha vida. As pessoas mudam, o que \u00e9 excelente, mas algumas mudam para um caminho que n\u00e3o \u00e9 o nosso.<\/p>\n\n\n\n
Em compensa\u00e7\u00e3o, outras s\u00e3o deliciosas surpresas, daquelas que nem o tempo consegue separar. A amizade volta numa leveza t\u00e3o grande, que mais parece p\u00e1ssaro que voa sem bater asas.<\/p>\n\n\n\n
E foi assim, num dia cinzento de inverno, que nos reencontramos. <\/p>\n\n\n\n
Em principio n\u00e3o nos reconhecemos. Eu estava numa loja de colch\u00f5es, totalmente absorta na tarefa de testar o que viria a ser meu cantinho nos pr\u00f3ximos anos. <\/p>\n\n\n\n
De olhos fechados, com minha cabe\u00e7a na soleira da cama, permaneci assim por algum tempo, embalada pela m\u00fasica da loja. Cantarolando alguns versos, escutei algu\u00e9m dizendo:<\/p>\n\n\n\n
\u2013 Ana, \u00e9 voc\u00ea?<\/p>\n\n\n\n
Abri os olhos e mesmo de cabe\u00e7a para baixo, reconheci o sorriso. De um salto, abracei aquele amigo perdido no tempo\u2026<\/p>\n\n\n\n
\u2013 Por onde andou? T\u00e1 morando aqui mesmo? Como vai sua m\u00e3ezinha?<\/p>\n\n\n\n
Sem cerim\u00f4nia, perguntei a vendedora se tinha um cafezinho e logo pedi dois! E \u00e1gua tamb\u00e9m. Sabia que a conversa seria longa, at\u00e9 porque n\u00e3o lembrava quando t\u00ednhamos nos visto pela \u00faltima vez.<\/p>\n\n\n\n
\u2013 Quinze anos? Minha nossa! Que coisa incr\u00edvel\u2026 E moramos todo esse tempo na mesma cidade! Talvez n\u00e3o nos vejamos porque sou muito caseira, principalmente depois que fui m\u00e3e.<\/p>\n\n\n\n
Imediatamente, mostrei fotos dos meus filhos e comentei um pouco de cada um, suas personalidades e o quanto preenchiam minha vida. <\/p>\n\n\n\n
Falei de mim tamb\u00e9m, do que vi, do que aconteceu, do que me contaram, do que n\u00e3o sei, das minhas dores, dos meus receios, enfim falei \u201cum muito\u201d de tudo.<\/p>\n\n\n\n
Pedi mais \u00e1gua e, depois do terceiro copo, comprei o colch\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n
A vendedora exibiu um sorriso, como se quisesse dizer \u201d agora voc\u00ea pode conversar a vontade\u201d. <\/p>\n\n\n\n
Sim, eu leio pensamentos. <\/p>\n\n\n\n
E n\u00e3o raro eu sei distinguir o estado de esp\u00edrito de uma pessoa, ent\u00e3o, com exce\u00e7\u00e3o de n\u00f3s tr\u00eas eu, meu amigo e a vendedora, os outros na loja estavam entediados com nossa conversa. Era muita exclama\u00e7\u00e3o de felicidade para uma tarde chuvosa.<\/p>\n\n\n\n
Solicitei dois travesseiros; entreguei um ao meu amigo e nos deitamos, para testar se eram confort\u00e1veis. <\/p>\n\n\n\n
E eram. N\u00e3o por acaso ficamos ali, deitados de perna passada por horas, at\u00e9 que ouvimos a movimenta\u00e7\u00e3o dos funcion\u00e1rios e a vendedora informou que j\u00e1 estava na hora de fechar a loja. Nossa! <\/p>\n\n\n\n
O tempo voou.<\/p>\n\n\n\n
\u2013 Ana, daqui a quatro dias \u00e9 meu anivers\u00e1rio.<\/p>\n\n\n\n
Vou fazer uma tarde entre amigos. <\/p>\n\n\n\n
Ser\u00e3o pessoas de v\u00e1rias fases da minha vida e quero que voc\u00ea v\u00e1. N\u00e3o se preocupe que chamarei uma amiga em comum, voc\u00ea n\u00e3o se sentir\u00e1 sozinha, muito embora sei que voc\u00ea n\u00e3o tem problemas em fazer novas amizades. Vou enviar o endere\u00e7o para seu whatsapp.<\/p>\n\n\n\n
No dia do anivers\u00e1rio choveu bastante, mas por sorte a tarde foi apenas nublada. <\/p>\n\n\n\n
Ao chegar, pude ouvir uma m\u00fasica suave e conversas animadas vindas do sal\u00e3o de festas. <\/p>\n\n\n\n
Eu j\u00e1 sabia que, por algum tempo, ficaria sem a companhia da minha amiga, pois quando estava saindo, liguei para combinar alguma coisa e ela estava tranquilamente fazendo o almo\u00e7o, imaginando que a festa seria \u00e0 noite.<\/p>\n\n\n\n
Desci a longa escadaria que dava acesso a \u00e1rea onde ficava o sal\u00e3o; me agarrei ao corrim\u00e3o como a uma t\u00e1bua de salva\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n
Meu pensamento era um s\u00f3: que eu n\u00e3o caia nessa escada e saia rolando pelo ch\u00e3o\u2026 <\/p>\n\n\n\n
E quando eu estava nos \u00faltimos degraus, passei o olhar pelo rosto dos convidados, todos desconhecidos.<\/p>\n\n\n\n
A timidez, encoberta de seguran\u00e7a, deu o ar da graca e por sorte meu amigo veio me receber.<\/p>\n\n\n\n
Ele estava euf\u00f3rico! Saiu fazendo um giro por entre as mesas apresentando seus amigos do trabalho, da Yoga, do pilates, de viagens, do grupo de estudo e finalmente do grupo de aleat\u00f3rios, onde eu fiquei. Intimamente agradeci. <\/p>\n\n\n\n
Os aleat\u00f3rios s\u00e3o, de longe, o melhor papo, pois s\u00e3o pessoas das mais diversas \u00e1reas, abertas a novas amizades.<\/p>\n\n\n\n
O buffet estava uma delicia; <\/p>\n\n\n\n
Engordei quase dois quilos s\u00f3 com os olhos e outros tantos com a boca, principalmente depois do apote\u00f3tico parab\u00e9ns (com direito a vela vulc\u00e3o, lotus girat\u00f3ria e Sky paper) quando foram servidas v\u00e1rias sobremesas.<\/p>\n\n\n\n
Minha amiga, que chegou at\u00e9 mais cedo do que eu esperava, \u00e9 intolerante a lactose, gl\u00faten, cafe\u00edna e outras tantas coisas, e apenas comeu as uvas da t\u00e1bua de frios, numa inacredit\u00e1vel alegria. Como assim? Quem \u00e9 feliz sem comer doces?<\/p>\n\n\n\n
A tarde passou voando e a noite chegou como um susto! <\/p>\n\n\n\n
O c\u00e9u ficou totalmente encoberto, anunciando muita chuva. <\/p>\n\n\n\n
Os convidados aos poucos foram saindo, n\u00e3o sem antes registrar esse reencontro em muitas fotos. <\/p>\n\n\n\n
Minha amiga disse que me daria uma carona, mas que antes passaria no posto; passou a semana numa correria e n\u00e3o teve tempo de abastecer. <\/p>\n\n\n\n
Brinquei dizendo que abastecer carro era uma grande ostenta\u00e7\u00e3o nos dias de hoje.<\/p>\n\n\n\n
Essa cr\u00f4nica agora chega a um fim abrupto, n\u00e3o porque eu n\u00e3o queira mais fazer uso de p\u00e1ginas em branco, mas porque a escrita n\u00e3o tem cabelos para a gente se agarrar.<\/p>\n\n\n\n
Explico: antes de chegarmos ao posto, a gasolina acabou.<\/p>\n\n\n\n
Est\u00e1vamos muito pr\u00f3ximo, pouco mais de 20 metros! <\/p>\n\n\n\n
Tivemos, ent\u00e3o, a \u201cbrilhante\u201d ideia de empurrar o carro. <\/p>\n\n\n\n
Minha amiga, magra e intolerante a tudo que comi, era a pr\u00f3pria atleta ol\u00edmpica, j\u00e1 eu\u2026E foi nessa hora que caiu uma tempestade. <\/p>\n\n\n\n
O que se seguiu, deixo para sua imagina\u00e7\u00e3o, adiantando que nosso amigo largou o restante dos convidados e veio nos socorrer.<\/p>\n\n\n\n
A amizade \u00e9 uma ode a felicidade. <\/p>\n\n\n\n
Depois de uma tarde maravilhosa, de efervesc\u00eancia coletiva, nada como empurrar um carro, embaixo de chuva, \u00e0s gargalhadas, e reconhecer nos amigos, os mesmos que elegemos na inf\u00e2ncia. <\/p>\n\n\n\n
Obrigada por serem \u00e0 segunda vista, tudo que vi de primeira!<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"