Rotina <\/strong><\/h1>\n\n\n\nDormia com a janela aberta, mesmo sabendo que o sol entraria muito cedo. <\/p>\n\n\n\n
N\u00e3o era de acordar tarde, mas tamb\u00e9m n\u00e3o queria saudar o astro rei.<\/p>\n\n\n\n
Usava m\u00e1scara nos olhos para evitar a claridade; tinha fotofobia. <\/p>\n\n\n\n
Todos os dias ela acordava \u201cna marra\u201d, quando sentava na beira da cama, fazia suas ora\u00e7\u00f5es e finalmente se levantava.<\/p>\n\n\n\n
\n\n\n\nEra reservada, mas n\u00e3o perdia oportunidade de saber da vida alheia. <\/p>\n\n\n\n
Ao lado da sua casa havia uma obra. <\/p>\n\n\n\n
Logo cedo os pedreiros se reuniam para o caf\u00e9, ao mesmo tempo em que ela preparava o seu. <\/p>\n\n\n\n
E enquanto aguardava as torradas ficarem prontas, apurava os ouvidos para saber das fofocas dos trabalhadores.<\/p>\n\n\n\n
H\u00e1 alguns dias acompanhava o romance de um deles com uma mocinha da sua rua.<\/p>\n\n\n\n
Estava indignada. Ela era de menor e ele era casado. Qualquer dia contaria tudo! Onde j\u00e1 se viu?<\/p>\n\n\n\n
\n\n\n\nOutro pedreiro, Jos\u00e9, um sujeito calmo, cheio de predicados, comprara um carrinho usado para presentear a esposa. <\/p>\n\n\n\n
H\u00e1 alguns meses estava apertado para pagar as presta\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n
N\u00e3o fez as contas do custo de manuten\u00e7\u00e3o e a gasolina tinha aumentado bastante.<\/p>\n\n\n\n
A esposa n\u00e3o queria mais andar de \u00f4nibus; dizia que era coisa de pobre.<\/p>\n\n\n\n
Ele, muito apaixonado, arranjara outro emprego, dessa vez como vigia. <\/p>\n\n\n\n
Passava os dias cansado e cochilando pelos cantos. <\/p>\n\n\n\n
Na \u00fanica folga, dormia o dia todo enquanto a esposa reclamava que queria passear.<\/p>\n\n\n\n
Ele pensou que com a pandemia ela fosse se aquietar, afinal era obesa e tinha press\u00e3o alta\u2026<\/p>\n\n\n\n
\n\n\n\nF\u00e1tima adorava escutar essas hist\u00f3rias mas tinha que sair para caminhar; dava voltas e mais voltas no quarteir\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n
Na pracinha, fazia muscula\u00e7\u00e3o numa dessas academias ao ar livre. <\/p>\n\n\n\n
N\u00e3o gostava de se exercitar, mas era importante para sua sa\u00fade.<\/p>\n\n\n\n
Felizmente as pessoas da sua rua eram t\u00e3o disciplinadas quanto ela. <\/p>\n\n\n\n
E entre um exerc\u00edcio e outro, procurava saber da artrite de D. Celeste, o machucado de S. Lu\u00eds e a sa\u00fade da filha de D. Arlete, uma hist\u00f3ria triste, sem solu\u00e7\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n
Sabia que ela precisava desabafar suas dores e a ouvia com aten\u00e7\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n
Vez por outra aconselhava, conselhos \u00f3timos, por sinal. <\/p>\n\n\n\n
Ela pr\u00f3pria se sentia a melhor psic\u00f3loga do mundo quando algu\u00e9m lhe dizia que suas palavras surtiam efeito. E no \u00edntimo ela pensava porque ela pr\u00f3pria n\u00e3o se ouvia\u2026<\/p>\n\n\n\n
\n\n\n\nVoltava pra casa louca por um banho. <\/p>\n\n\n\n
Sempre reclamava do calor! Da\u00ed at\u00e9 o hor\u00e1rio de almo\u00e7o era em home office, sem chance de levantar para nada.<\/p>\n\n\n\n
Odiava aquele emprego mas diante da situa\u00e7\u00e3o do pa\u00eds, melhor continuar.<\/p>\n\n\n\n
Pelo menos tinha um fixo, carteira assinada, f\u00e9rias e d\u00e9cimo. <\/p>\n\n\n\n
Ao meio dia fazia seu almo\u00e7o, mas quando n\u00e3o estava inspirada, comia macarr\u00e3o instant\u00e2neo mesmo. <\/p>\n\n\n\n
\u00c0s vezes nem isso; apenas um suco para ter tempo de dar um cochilo.<\/p>\n\n\n\n
\n\n\n\n\u00c0 tarde digitava o relat\u00f3rio das cobran\u00e7as que tinha feito pela manh\u00e3. <\/p>\n\n\n\n
Ela negociava as d\u00edvidas dos clientes de uma corretora de im\u00f3veis. <\/p>\n\n\n\n
Algumas vezes fechava \u00f3timos acordos, mas no geral ouvia xingamento de todo tipo.<\/p>\n\n\n\n
Estava t\u00e3o acostumada com a gritaria no \u201cp\u00e9 do ouvido\u201d que at\u00e9 abstra\u00eda; geralmente ficava escolhendo uma nova s\u00e9rie, enquanto vez por outra dizia um \u201ccompreendo, senhor\u201d.<\/p>\n\n\n\n
\n\n\n\n\u00c0s 18.00h se ajoelhava diante da imagem de N. S. de F\u00e1tima, de quem sua m\u00e3e era devota, e agradecia por outro dia de trabalho.<\/p>\n\n\n\n
Depois se vestia com apuro e ia para a parada de \u00f4nibus. <\/p>\n\n\n\n
Ali, puxava conversa com algu\u00e9m disposto a uma prosa e inventava hist\u00f3rias sobre uma vida completamente diferente da sua, talvez sonhando em voz alta. <\/p>\n\n\n\n
Se a conversa estivesse boa, pegaria o mesmo \u00f4nibus do ouvinte, fingindo fazer o mesmo percurso. <\/p>\n\n\n\n
Ou, do contr\u00e1rio, voltaria para o sil\u00eancio da sua casa, onde jantaria qualquer coisa. <\/p>\n\n\n\n
Depois, assistiria tv e pegaria no sono por volta da meia noite, com a janela aberta, at\u00e9 que o sol entrasse novamente no seu quarto, \u00e0s cinco e quinze, dezesseis, dezessete\u2026<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Hoje \u00e9 quarta-feira! Por isso temos que honrar a criatividade, o talento e a produtividade dos nossos colaboradores. Principalmente, quando esses colaboradores \u00e9 quem nos proporciona essa maravilhosa audi\u00eancia. Portanto vamos ficar agora com a leitura da CR\u00d4NICA Rotina da talentosa Ana Madalena! Talvez voc\u00ea tenha um amanh\u00e3 Talvez voc\u00ea tenha amigos Talvez voc\u00ea at\u00e9 … Ler mais<\/a><\/p>\n","protected":false},"author":3,"featured_media":589,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[6],"tags":[467,477,468,105,475,476,35,466],"yoast_head":"\nRotina, por Ana Madalena - Blog do Saber<\/title>\n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n\t \n\t \n\t \n \n \n \n\t \n\t \n\t \n