mat\u00e9ria da UOL<\/a> mostrou que a \u00c1frica \u00e9 \u201co continente com maior n\u00famero de conflitos duradouros em todo o planeta”. E mais: “De um total de 54 pa\u00edses que comp\u00f5em a \u00c1frica, 24 encontram-se atualmente em guerra civil ou em conflitos armados\u2026\u201d, sendo Congo, Ruanda e Darfur os pa\u00edses onde ocorreram os maiores massacres. <\/p>\n\n\n\nEm termos de refugiados, os pa\u00edses asi\u00e1ticos Afeganist\u00e3o e Iraque apresentam o maior n\u00famero, precedidos da Som\u00e1lia e do Congo. J\u00e1, o \u201cmaior campo de refugiados no mundo fica no Qu\u00eania\u201d.<\/p>\n\n\n\n
A hist\u00f3ria da inf\u00e2ncia<\/h5>\n\n\n\n Bom, tudo isso pra dizer que em diversos pa\u00edses, a inf\u00e2ncia, como n\u00f3s entendemos que deve se cumprir, simplesmente n\u00e3o existe e, talvez, nunca tenha existido – pelo menos, para boa parte das gera\u00e7\u00f5es. Crian\u00e7as privadas de itens b\u00e1sicos, como escola, alimento, cuidados pessoais, seguran\u00e7a. <\/p>\n\n\n\n
Afinal, onde existe, a inf\u00e2ncia sempre foi assim como a entendemos?\u00a0<\/p>\n\n\n\n
Gerda Lerner traz em sua obra ‘A Cria\u00e7\u00e3o do Patriarcado’ uma vis\u00e3o da inf\u00e2ncia que muitos denominariam perturbadora. Mas, para quem costuma ler livros e assistir filmes de \u00e9poca ou de escravid\u00e3o, provavelmente, n\u00e3o seria uma grande surpresa.\u00a0<\/p>\n\n\n\n
Lerner re\u00fane informa\u00e7\u00f5es de historiadores para rever como se deu a constru\u00e7\u00e3o da civiliza\u00e7\u00e3o. Desde a pr\u00e9-hist\u00f3ria, com as sociedades de ca\u00e7adores coletores, at\u00e9 o advento do capitalismo, e o papel da mulher durante essa transforma\u00e7\u00e3o. Fun\u00e7\u00e3o esta necessariamente implicada a das crian\u00e7as, afinal, explorava-se a sua capacidade de reproduzir cada vez mais escravos ou m\u00e3o de obra.<\/p>\n\n\n\n
Veja trecho do livro:<\/p>\n\n\n\n
\n<\/p>\nDurante um longo per\u00edodo, talvez s\u00e9culos, enquanto homens inimigos eram mortos pelos captores, gravemente mutilados ou levados para \u00e1reas distantes e isoladas, mulheres e crian\u00e7as tornavam-se prisioneiras e se incorporavam a casas e \u00e0 sociedade dos captores.<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\nLerner cita Tuc\u00eddides, em sua obra ‘Hist\u00f3ria da Guerra do Peloponeso’:<\/p>\n\n\n\n
\n<\/p>\nOs atenienses reduziram os cioneus sitiando-os, mataram os homens adultos e fizeram mulheres e crian\u00e7as de escravas…<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\nNa China, \u201cuma crian\u00e7a filha de uma pessoa livre com uma pessoa escrava era sempre considerada escrava.\u201d Lerner ainda acrescenta que, segundo o historiador E. G. Pulleyblank, \u201cUm escravo era um membro inferior da fam\u00edlia de seu senhor e sujeito \u00e0s mesmas obriga\u00e7\u00f5es […] que uma crian\u00e7a ou uma concubina\u201d. Ou seja, aqui, ela introduz uma ideia do papel da crian\u00e7a n\u00e3o escrava na sociedade. <\/p>\n\n\n\n
As vicissitudes da inf\u00e2ncia<\/h5>\n\n\n\n Na obra de Ana Laura Prates, ‘Da fantasia de inf\u00e2ncia ao infantil na fantasia’, ela destaca que essa ideia da crian\u00e7a enquanto ser social s\u00f3 come\u00e7a a se construir a partir da Idade M\u00e9dia. <\/p>\n\n\n\n
\n<\/p>\nA inf\u00e2ncia\u2026 era vista como um per\u00edodo de transi\u00e7\u00e3o logo ultrapassado, n\u00e3o havendo, assim, a consci\u00eancia da particularidade infantil. Tampouco havia as ideias de inoc\u00eancia e candura, posteriormente encontradas nas modernas fantasias de inf\u00e2ncia.<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\nE cita, inclusive, que \u201cNa Idade M\u00e9dia, era bastante comum os adultos tomarem liberdades com os \u00f3rg\u00e3os sexuais das crian\u00e7as\u201d. Prates traz os estudos do historiador franc\u00eas Phillipe Ari\u00e8s, que atribu\u00eda essa ideia de \u201caus\u00eancia de inf\u00e2ncia\u201d ao alto \u00edndice de mortalidade \u201cdevido \u00e0s prec\u00e1rias condi\u00e7\u00f5es higi\u00eanicas e sanit\u00e1rias\u201d.<\/p>\n\n\n\n
\u201cO processo que Ari\u00e8s denomina \u2018descoberta da inf\u00e2ncia\u2019 foi, portanto, bastante longo. Iniciou-se por volta do s\u00e9culo XIII e pode ser acompanhado pelos s\u00e9culos XV e XVI.\u201d, que \u00e9 quando, segundo Ari\u00e8s, a mortalidade infantil come\u00e7a a diminuir. Observa-se, inclusive, nesse per\u00edodo, \u201co aparecimento de nomes de crian\u00e7as nas ef\u00edgies funer\u00e1rias, revelando um apego maior\u201d a elas.<\/p>\n\n\n\n
As concep\u00e7\u00f5es crist\u00e3s teriam contribu\u00eddo para que a crian\u00e7a se transformasse em \u201cum indiv\u00edduo possuidor de personalidade pr\u00f3pria\u201d, atrav\u00e9s, por exemplo, da ideia propagada da imortalidade da alma. Por\u00e9m, com \u201cuma raz\u00e3o ainda fr\u00e1gil\u201d, a crian\u00e7a deveria ser submetida \u00e0 institui\u00e7\u00e3o educacional, que at\u00e9 ent\u00e3o se restringia \u00e0 forma\u00e7\u00e3o clerical.<\/p>\n\n\n\n
\n<\/p>\n…o in\u00edcio do surgimento deste \u201csentimento\u201d deu-se exatamente na passagem do fim da Idade M\u00e9dia para o Renascimento, que corresponde a um grande movimento em dire\u00e7\u00e3o ao que posteriormente seriam chamados \u201cvalores burgueses\u201d… Neste sentido, pode-se constatar que a ideia moderna de inf\u00e2ncia \u00e9 tribut\u00e1ria da constela\u00e7\u00e3o familiar burguesa e do advento capitalista.<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\nFantasiando o infantil<\/h5>\n\n\n\n Apesar da inf\u00e2ncia estar bem estabelecida em boa parte do mundo hoje, n\u00e3o significa que as crian\u00e7as sejam tratadas da mesma forma nessa por\u00e7\u00e3o do globo. Contardo Calligaris, psicanalista e dramaturgo italiano, radicado em \u201cterra brasilis<\/em>\u201d, investiga a cultura brasileira, trazendo seus estranhamentos, inclusive, em rela\u00e7\u00e3o aos jovens, no seu livro ‘Hello, Brasil!’. <\/p>\n\n\n\nJ\u00e1 mencionado aqui no blog, em O jovem contempor\u00e2neo: um sujeito sem lei?<\/a>, Calligaris mostra a sua indigna\u00e7\u00e3o quanto ao comportamento das crian\u00e7as de classe m\u00e9dia no Brasil e observa que, aqui, existe um contraste curioso na forma como elas s\u00e3o tratadas: ou s\u00e3o majestades ou s\u00e3o dejetos.<\/p>\n\n\n\nMenina de classe m\u00e9dia manifestando o narcisismo de forma intensa<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n<\/p>\n\n\n\n
\n<\/p>\nO adulto brasileiro parece constantemente preocupado com o prazer das suas crian\u00e7as. Para ser breve: no Brasil, a crian\u00e7a \u00e9 rei. Curioso, tanto mais em um pa\u00eds cuja reputa\u00e7\u00e3o no estrangeiro est\u00e1 comprometida com legi\u00f5es de crian\u00e7as abandonadas na rua.<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\nA grosso modo, a teoria que Calligaris constr\u00f3i ao longo de sua obra \u00e9 a de que tanto os colonizadores quanto os colonos no Brasil acabaram se decepcionando com o pa\u00eds, pois n\u00e3o teriam encontrado aqui o que vieram procurar. Esses pais, ent\u00e3o, sonhariam para os seus filhos aquilo que n\u00e3o conquistaram, tornando-se, assim, permissivos.<\/p>\n\n\n\n
\n<\/p>\nO lugar de majestade que a crian\u00e7a parece ocupar talvez n\u00e3o indique uma excel\u00eancia simb\u00f3lica, mas algum tipo de incondicional exalta\u00e7\u00e3o fantasm\u00e1tica da crian\u00e7a. O que, ali\u00e1s, explicaria por que, quando essa exalta\u00e7\u00e3o fantasm\u00e1tica n\u00e3o sustenta a crian\u00e7a, ela passe a ser simples dejeto. \u00c9 como se a sociedade, em raz\u00e3o de sua impot\u00eancia para garantir o para\u00edso a cada crian\u00e7a, devesse escolher deixar impunes as tentativas criminais das crian\u00e7as para ter acesso, justamente, ao para\u00edso.<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\nNarciso sobrevive<\/h5>\n\n\n\n Bom, tudo isso pra dizer que as vicissitudes da inf\u00e2ncia se d\u00e3o conforme as necessidades. Ou melhor, conforme os desejos do ser humano, independentemente da \u00e9poca, mas que sempre \u00e9 sustentado pelo narcisismo. Seja por dom\u00ednio de territ\u00f3rio, seja por m\u00e3o de obra barata, seja pelo para\u00edso ou pelo poder.<\/p>\n\n\n\n
Finalizo, aqui, com a cita\u00e7\u00e3o de Ana Laura Prates, na obra j\u00e1 mencionada, \u00e0 Neil Postman, no seu ‘O desaparecimento da inf\u00e2ncia’:<\/p>\n\n\n\n
\n<\/p>\n…<\/strong>uma cultura pode existir sem uma ideia social de inf\u00e2ncia. Passado o primeiro ano de vida, a inf\u00e2ncia \u00e9 um artefato social, n\u00e3o uma categoria biol\u00f3gica. Nossos genes n\u00e3o cont\u00eam instru\u00e7\u00f5es claras sobre quem \u00e9 e quem n\u00e3o \u00e9 crian\u00e7a, e as leis de sobreviv\u00eancia n\u00e3o exigem que se fa\u00e7a uma distin\u00e7\u00e3o entre o mundo adulto e o da crian\u00e7a.<\/cite><\/blockquote>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"As guerras geram \u00f3rf\u00e3os As not\u00edcias de crian\u00e7as \u00f3rf\u00e3s durante as \u00faltimas guerras na Ucr\u00e2nia e na Faixa de Gaza v\u00eam comovendo as na\u00e7\u00f5es e causando fervorosas discuss\u00f5es em diferentes partes, embora o assunto n\u00e3o seja novidade em diversas outras localidades do mundo por anos a fio. O Movimento Ashinaga \u00e9 uma organiza\u00e7\u00e3o japonesa sem … Ler mais<\/a><\/p>\n","protected":false},"author":4,"featured_media":4189,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1,7,10,11],"tags":[2388,347,1008,1559,929,416,2387,51,2389,496,2386],"yoast_head":"\nOs \u00f3rf\u00e3os e as vicissitudes da inf\u00e2ncia - Blog do Saber<\/title>\n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n\t \n\t \n\t \n \n \n \n\t \n\t \n\t \n