{"id":3245,"date":"2023-11-21T06:30:00","date_gmt":"2023-11-21T09:30:00","guid":{"rendered":"https:\/\/blogdosaber.com.br\/?p=3245"},"modified":"2023-11-20T21:56:10","modified_gmt":"2023-11-21T00:56:10","slug":"o-fim-do-machismo-um-voo-rasante","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/blogdosaber.com.br\/2023\/11\/21\/o-fim-do-machismo-um-voo-rasante\/","title":{"rendered":"O fim do machismo: um voo rasante"},"content":{"rendered":"\n
O primeiro homem da minha vida<\/h5>\n\n\n\n

\u00c9ramos duas meninas em casa. Talvez tenhamos tido sorte pelo meu pai ser um homem menos machista que a maioria – regionalismos \u00e0 parte, claro. Ou, talvez, tenhamos tido sorte pelo meu pai n\u00e3o ter enxergado outra sa\u00edda para a sua masculinidade, tendo em vista que nenhum cromossomo Y havia sido selecionado em sua produ\u00e7\u00e3o. N\u00e3o havia um menino para ser usado de comparativo nem para o meu pai projetar nele poss\u00edveis desejos machistas.  <\/p>\n\n\n\n

O fato \u00e9 que tivemos sorte, eu e a minha irm\u00e3, pois n\u00e3o restou para n\u00f3s nada al\u00e9m da liberdade e da f\u00e9 que meu pai buscava para ele mesmo. Tratava-se de matar dois coelhos com uma \u00fanica cajadada? Bom, que sorte que ele economizou na tacada. <\/p>\n\n\n\n

Liberdade atrav\u00e9s da leitura, do conhecimento. J\u00e1 dizia o meu pai \u201co conhecimento liberta, minhas filhas\u201d. E liberdade vivemos. F\u00e9 para acreditar que tudo \u00e9 poss\u00edvel, inclusive, que as suas filhas eram capazes de qualquer coisa que desejassem, assim como ele. Voem! E, assim, voamos.<\/p>\n\n\n\n

Meninos n\u00e3o choram<\/h5>\n\n\n\n

E, por mais longe que eu tenha ido, vinte anos depois, l\u00e1 estava eu com um homem que se sentia enojado cada vez que eu chorava depois de uma discuss\u00e3o com ele. E ainda dizia \u201cn\u00e3o confio em mulheres que choram\u201d.  Na verdade, ele n\u00e3o confiava nas l\u00e1grimas. E, de fato, nunca se entregava a elas. \u00c0s l\u00e1grimas ou a qualquer atitude que o colocasse em uma posi\u00e7\u00e3o vulner\u00e1vel. <\/p>\n\n\n\n

Nana Queiroz, autora do livro Os meninos s\u00e3o a cura do machismo: como educar crian\u00e7as para que vivam uma masculinidade da qual nos orgulhemos, <\/em>diz que, <\/em>para escrev\u00ea-lo, entrevistou cerca de 600 homens adultos. Ela cita:<\/p>\n\n\n\n

\n

<\/p>\nUm n\u00famero consider\u00e1vel deles lamentava n\u00e3o poder manifestar afeto por mulheres ou por outros homens sem serem tachados de \u201cmaricas“<\/em>.<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

E ainda:<\/p>\n\n\n\n

\n

<\/p>\n32% n\u00e3o tinham uma \u00fanica pessoa no mundo com quem se sentiriam confort\u00e1veis para chorar<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

Um dos homens entrevistados relatou:<\/p>\n\n\n\n

\n

<\/p>\nJ\u00e1 feri muitas pessoas para provar ser homem. Tra\u00ed para ser homem, briguei para ser homem. Mas, quando quis mostrar meu outro lado, s\u00f3 vi olhares que julgam.<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

Suic\u00eddio: os homens tamb\u00e9m precisam falar sobre<\/h5>\n\n\n\n

Em seu livro, Nana fala que:<\/p>\n\n\n\n

\n

<\/p>\nSegundo o IBGE, um homem entre 20 e 24 anos tem onze vezes mais chances de n\u00e3o chegar aos 25 anos, na compara\u00e7\u00e3o com uma mulher da mesma idade. A mortalidade masculina \u00e9 superior \u00e0 feminina ao longo de toda a vida na maioria dos pa\u00edses, e entre jovens e jovens adultos, ela tem seu pico. (…) Mortes por causas externas, normalmente relacionadas \u00e0 velocidade, \u00e0 viol\u00eancia, \u00e0 dificuldade de manifestar vulnerabilidade e \u00e0 necessidade de provar coragem de maneiras imprudentes \u2014 empilham-se homic\u00eddios, suic\u00eddios, acidentes de tr\u00e2nsito, afogamentos, quedas acidentais, entre outros. Os homens tamb\u00e9m s\u00e3o os l\u00edderes no ranking de suic\u00eddios. E isso \u00e9 agravado pelo mito de que depress\u00e3o \u00e9 frescura e terapia \u00e9 \u201ccoisa de mulher\u201d.<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

Na Austr\u00e1lia, o suic\u00eddio \u00e9 considerado um fen\u00f4meno de g\u00eanero. Uma pesquisa cient\u00edfica de 2010 mostrou que, pelo menos, cinco homens se matam por dia e que, em 2005, 80% das mortes por suic\u00eddio foram do sexo masculino. Para mais informa\u00e7\u00f5es sobre a pesquisa, acesse Pathways to Despair: The Social Determinants of male suicide (aged 25-44), Central Coast, NSW<\/a>. Dados mais recentes publicados pela organiza\u00e7\u00e3o Beyond Blue mostram que dos nove suic\u00eddios di\u00e1rios na Austr\u00e1lia, sete s\u00e3o de homens. E ainda, o n\u00famero de homens que se matam \u00e9 praticamente o dobro da quantidade de v\u00edtimas nas estradas nacionais todos os anos. Assim, surgem diversos servi\u00e7os de apoio voltadas a eles, como Men Care Too<\/a>, Central Coast Community Men\u2019s Shed<\/a>, Mensline Australia<\/a>, The Men\u2019s Table<\/a>, al\u00e9m de Beyond Blue<\/a>. <\/p>\n\n\n\n

A gente fala muito de feminilidade, feminismo, machismo. E esquecemos do sofrimento do homem num mundo em que o machismo \u00e9 disseminado inclusive pelas mulheres. Onde o machismo \u00e9 esperado pelos machos amigos, como uma senha de entrada para o clube – uma forma de se reconhecerem entre si -, e pelas f\u00eameas parceiras, que desejam ser salvas, protegidas e excitadas. Machismo parece, ent\u00e3o, um requisito.<\/p>\n\n\n\n

Nana provoca as ativistas de plant\u00e3o:<\/p>\n\n\n\n

\n

<\/p>\nSinto que muitas feministas gastam energia demais com a fal\u00e1cia de que n\u00e3o temos tempo para discutir as dores masculinas, pois as viol\u00eancias a que as mulheres est\u00e3o submetidas s\u00e3o mais urgentes. Mas e se justamente esse pensamento estiver nos impedindo de identificar a raiz dessa viol\u00eancia e dar cabo dela de vez? (…) Ser\u00e1 que o medo, a dor e a vergonha n\u00e3o eram, afinal, os pais de todas as viol\u00eancias?<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

Conhecer os sentimentos liberta! <\/h5>\n\n\n\n

Pegando esse racioc\u00ednio, poder\u00edamos, inclusive, pensar na culpa, na raiva, na frustra\u00e7\u00e3o e at\u00e9 mesmo em todos os bons sentimentos que n\u00e3o somos ensinados a nomear. Muito menos os meninos. Que n\u00e3o somos ensinados a enfrentar. Muito menos os meninos. Que s\u00e3o rapidamente substitu\u00eddos por outros, ou ainda por doces e brinquedos ou por viol\u00eancias verbal e f\u00edsica.  <\/p>\n\n\n\n

Assim, voltamos, como de praxe, \u00e0 inf\u00e2ncia. Certamente. Afinal, onde tudo tem in\u00edcio. Onde moram as maiores possibilidades. Insisto: de quantas formas \u00e9 poss\u00edvel ser? De quantas formas uma menina pode ser mulher e de quantas formas um menino pode ser homem?<\/p>\n\n\n\n

Por sorte, meu pai n\u00e3o nos criou baseado em g\u00eanero. N\u00e3o nos tratava como meninas, mas como c\u00e9rebros ambulantes. O c\u00e9u sempre foi o limite. Para ele e para n\u00f3s.<\/p>\n\n\n\n

S\u00f3 pra contrariar, eu diria que n\u00e3o s\u00f3 os meninos, mas todos, sem exce\u00e7\u00e3o, s\u00e3o a cura do machismo. Adultos, meninos e meninas que sejam livres para respeitar os seus pr\u00f3prios sentimentos e cuidar de si mesmos, que sejam capazes de voar. Seria esse o in\u00edcio do fim? <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O primeiro homem da minha vida \u00c9ramos duas meninas em casa. Talvez tenhamos tido sorte pelo meu pai ser um homem menos machista que a maioria – regionalismos \u00e0 parte, claro. Ou, talvez, tenhamos tido sorte pelo meu pai n\u00e3o ter enxergado outra sa\u00edda para a sua masculinidade, tendo em vista que nenhum cromossomo Y … Ler mais<\/a><\/p>\n","protected":false},"author":4,"featured_media":3250,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1,7,9,10,11],"tags":[1978,13,15,1979,274,40,1977,51,503,1047,764],"yoast_head":"\nO fim do machismo: um voo rasante - Blog do Saber<\/title>\n<meta name=\"description\" content=\"Para voar, \u00e9 preciso ser livre. Mas como libertar-se de estruturas com funda\u00e7\u00f5es t\u00e3o profundas? 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