{"id":1473,"date":"2023-05-10T06:30:00","date_gmt":"2023-05-10T09:30:00","guid":{"rendered":"https:\/\/blogdosaber.com.br\/?p=1473"},"modified":"2023-05-09T15:46:54","modified_gmt":"2023-05-09T18:46:54","slug":"amor-que-fica","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/blogdosaber.com.br\/2023\/05\/10\/amor-que-fica\/","title":{"rendered":"Amor que fica…"},"content":{"rendered":"\n
A nossa coluna Cr\u00f4nicas desta quarta-feira est\u00e1 demais, com a incr\u00edvel Ana Madalena que narra uma est\u00f3ria mirabolante dos tempos de adolesc\u00eancia dela e de sua turma de col\u00e9gio de arrepiar: amor que fica \u00e9 amor de…O resto voc\u00ea j\u00e1 deve imaginar, n\u00e3o? Ent\u00e3o se divirta com essa maravilhosa pe\u00e7a de fic\u00e7\u00e3o dos idos dos anos 1970, 1980 e 2025.<\/p>\n\n\n\n
Baseada em fatos reais, alguns que ainda v\u00e3o acontecer!<\/p>\n\n\n\n
Dizem que h\u00e1 tr\u00eas modos de vermos a vida: atrav\u00e9s da realidade, da imagina\u00e7\u00e3o ou atrav\u00e9s de outra pessoa. Hoje eu vou ser essa outra pessoa. E a hist\u00f3ria que vou contar aconteceu h\u00e1 muitos anos, quando Madu era uma mocinha. Voc\u00ea pode at\u00e9 indagar o porqu\u00ea dessa digress\u00e3o, uma vez que faz tanto tempo, que at\u00e9 j\u00e1 entrou para o esquecimento\u2026 Ser\u00e1? Ent\u00e3o, como explicar o que aconteceu na \u00faltima reuni\u00e3o de amigos dos tempos de col\u00e9gio?<\/p>\n\n\n\n
Era quase meia noite. A banda tocava animada os hits das d\u00e9cadas de 70 e 80. Todos dan\u00e7avam alegremente! Desde a pandemia a turma do pr\u00e9 80 ainda n\u00e3o se encontrara. Estavam euf\u00f3ricos, a n\u00e3o ser por um colega que olhava tudo de modo distante; ele era daqueles que nunca participara das festinhas, nem t\u00e3o pouco do grupo do whats, talvez por ter sido extremamente t\u00edmido e etiquetado como esquisito. Deve ter sofrido muito bullying, coitado, mas ali, diria que parecia estar em paz com seu passado. Ele estava acompanhado por uma mulher claramente mais velha do que ele, mas bastante animada e parecendo feliz. Madu assistia a tudo com um sorriso de Monalisa, daqueles indecifr\u00e1veis, mas eram seus olhos aguados que denunciavam a emo\u00e7\u00e3o reprimida. Ah\u2026 Os olhos de Madu\u2026 Olhos para todos os gostos!<\/p>\n\n\n\n
A banda fez um intervalo r\u00e1pido e Madu aproveitou a ocasi\u00e3o para retocar a maquiagem. Em vez de seguir para a esquerda, caminho mais r\u00e1pido para o toilet feminino, ela contornou o sal\u00e3o e passou em frente ao masculino, onde havia uma pequena fila de espera. E como quem faz uma revista \u00e0 tropa, passou por cada um daqueles rapazes, agora sessent\u00f5es e perguntou:<\/p>\n\n\n\n
Ela n\u00e3o esperou as express\u00f5es de espanto, nem os coment\u00e1rios. Seguiu de volta para o sal\u00e3o onde, com sorriso de orelha a orelha, dan\u00e7ou com seu marido sua m\u00fasica preferida, “Outra vez”, de Roberto Carlos. Madu girava o corpo de uma forma sensual, enquanto cantava os versos da m\u00fasica quase como uma devo\u00e7\u00e3o. Que coisa linda de se ver! O jogo de luzes coloridas de repente ficou apenas com a luz branca, iluminando todos. Foi percept\u00edvel a rea\u00e7\u00e3o dos homens ali presentes. Eu, que sou expert em leitura labial, entendi quando um grupinho masculino comentou entre si:<\/p>\n\n\n\n
O ver\u00e3o estava escaldante! Ningu\u00e9m aguentava ficar muito tempo dentro de casa e por isso as atividades ao ar livre eram as preferidas de todos. Por sorte, no Natal, a maioria ganhou bicicletas! Era um tempo feliz, sem viol\u00eancia, quando pod\u00edamos pedalar pelos bairros sem preocupa\u00e7\u00f5es. Os mais velhos, de quinze para dezesseis anos, comandavam todo o itiner\u00e1rio; os menores obedeciam sem questionamentos, a n\u00e3o ser no dia que disseram n\u00e3o querer mais meninas nas pedaladas. <\/p>\n\n\n\n
Como assim? Eu fazia parte do grupo, pedalava junto com meu irm\u00e3o e fiquei muito chateada! Mas, sabida como sou, desvendei o mist\u00e9rio! Sim, e por um detalhe\u2026 Ali\u00e1s os detalhes s\u00e3o as pe\u00e7as chaves mais importantes numa hist\u00f3ria. <\/p>\n\n\n\n
N\u00e3o viram Shakira? Descobriu a trai\u00e7\u00e3o do ent\u00e3o marido por causa de um pote de geleia! Pois bem, o meu pote de geleia foi perceber o cuidado exagerado dos meninos com o banho, coisa que faziam praticamente obrigados. Dias depois, eu ouvi um zum zum zum\u2026 At\u00e9 ent\u00e3o eu imaginava que tamanho asseio fosse por causa de alguma paquera ou porque resolveram se juntar a uma turma de ciclistas s\u00f3 de meninas. <\/p>\n\n\n\n
Sim, era comum o clube dos Bolinhas e das Luluzinhas, algo altamente sexista, mas perdo\u00e1vel naquele tempo. Mas a\u00ed ouvi meu irm\u00e3o falando ao telefone com um amigo a respeito de uma constru\u00e7\u00e3o, num local que eles chamavam de “zona de perigo”, que por \u00f3bvio n\u00e3o tinha nada a ver com o hit de Leo Santana. Achei tudo esquisit\u00edssimo e fiquei antenada para estar l\u00e1 no dia e hora combinados mas, ansiosa, fui antes conferir.<\/p>\n\n\n\n
Era uma obra grande, que segundo soube, seria a constru\u00e7\u00e3o de um Centro Esp\u00edrita. N\u00e3o entendi o porqu\u00ea dos meninos se encontrarem ali, um local cheio de tijolos e metralhas, que poderiam at\u00e9 furar o pneu das bicicletas. Voltei para casa com a pulga atr\u00e1s da orelha e aguardei o s\u00e1bado, final da tarde. Inventei uma desculpa para sair e cheguei na obra muito antes deles, mas n\u00e3o havia ningu\u00e9m. At\u00e9 que ouvi uma voz grossa, de homem, que parecia brabo:<\/p>\n\n\n\n
De relance pude ver a silhueta de Madu; era uma mocinha muito franzina de cabelos escuros. Ela passou bem perto de onde eu estava e pareceu-me chateada. Vestia um short curt\u00edssimo e um top, o que a tornava ainda mais magra. Um Fiat 147 chegou ao local, o que a fez correr em dire\u00e7\u00e3o a um quadrado de madeira no fundo da obra, que pelo que entendi, era a casinha do vigia, seu pai.<\/p>\n\n\n\n
O rapaz do Fiat era amigo do meu irm\u00e3o; ele tinha apenas dezesseis anos, mas j\u00e1 ganhara um carro dos pais. Madu saiu da edicula de banho tomado, com um vestidinho florido, meio transparente e entrou no carro. O pai dela recebeu algo do rapaz, mas eu, inocente de tudo, n\u00e3o consegui entender aquela din\u00e2mica\u2026 Enquanto estava perdida, ligando os pontos, alguns meninos chegaram com suas bicicletas. Vi que jogaram um dado no ch\u00e3o e decidiram quem seria o primeiro\u2026 Mas primeiro o qu\u00ea?<\/p>\n\n\n\n
O Fiat retornou algum tempo depois e Madu saiu do carro com a boca ” franzida”, uma caracteristica marcante no rosto dela. Os garotos, uns tr\u00eas, fizeram uma especie de fila e depois, um a um, entrou naquele barraco, saindo alguns minutos depois com uma esp\u00e9cie de sorriso, desses de satisfa\u00e7\u00e3o, que eu s\u00f3 via quando eles comiam um cachorro quente com refrigerante. O menino que tinha sido o primeiro da fila, deixou sua bicicleta na obra e voltou na garupa de um deles. Estranho, pensei\u2026 Assim que todos foram embora, vi quando Madu saiu alegremente para dar umas pedaladas na bicicleta que ficara por l\u00e1. Ela passou bem pr\u00f3ximo a mim, sem sequer desconfiar que eu estava dando uma de detetive. E foi quando eu vi o porqu\u00ea da boca franzida: Madu era totalmente banguela!<\/p>\n\n\n\n
Voltei para casa intrigad\u00edssima. Nos dias seguintes apurei mais ainda os meus ouvidos, mas n\u00e3o ouvi uma conversa sequer sobre Madu. Todas as vezes que os meninos sa\u00edam pedalando, eu seguia direto para a obra, mas eles n\u00e3o estavam l\u00e1. Passei uma semana nessa lenga-lenga e nada\u2026 At\u00e9 que:<\/p>\n\n\n\n
Eu n\u00e3o sabia o que era o tal ” boi” que os meninos falavam, mas devia ser algo muito violento, ao ponto de furar os pneus da bicicleta. Tive receio de perguntar e levantar suspeitas, mas intrigada mesmo eu fiquei quando ouvi eles falando em “sexo oral”. Eu, que era a ingenuidade em pessoa, achei que sexo oral fosse falar palavr\u00e3o e n\u00e3o entendi o porqu\u00ea de elogiar o “oral” de Madu. Talvez fosse porque ela s\u00f3 falava palavras bobinhas, tipo “merda”, muito embora nem isso eu pudesse dizer, sen\u00e3o levava uma chinelada dos meus pais. Sim, naquela \u00e9poca a meninada apanhava com o que estivesse \u00e0 m\u00e3o: cinto, chinelo, tamanco e at\u00e9 espanador!<\/p>\n\n\n\n
A constru\u00e7\u00e3o do Centro Esp\u00edrita foi conclu\u00edda meses depois, o que provocou uma tristeza geral nos meninos, embora rapidamente j\u00e1 estivessem sendo consolados pelas namoradinhas. A divers\u00e3o deles deixou de ser a pedalada para idas ao cinema, \u00e9poca que muitos falsificavam as carteiras para assistir filmes para maiores de dezoito anos. E foi num s\u00e1bado \u00e0 noite, quando foram ao Cine Rio Grande, que viram Madu aos beijos com um menino da turma. Era um galeguinho, cujos av\u00f3s moravam perto do Centro Espirita. Souberam que ele era ass\u00edduo frequentador do local e, daquele dia em diante, a turma come\u00e7ou a “tirar onda” com o colega, pois sabiam que ele estava “caidinho” por Madu.<\/p>\n\n\n\n
A cidade estava praticamente deserta enquanto as praias de veraneio super lotadas. A maioria da turma de 1980 passou no vestibular e foi aquela festan\u00e7a! Os novos universit\u00e1rios que ostentavam com orgulho suas carecas, acertaram previamente as datas das comemora\u00e7\u00f5es, pois desse modo os amigos poderiam participar de todas as festas. O galeguinho, aquele do cinema, entrou para o curso de Medicina, fato que o fez desligar- se de Madu, mas n\u00e3o por desejo pr\u00f3prio, mas por conting\u00eancia da vida. Ele tinha aula o dia todo e com tamanha carga hor\u00e1ria, n\u00e3o tinha tempo nem para se co\u00e7ar! Especializou-se em ginecologia e obstetr\u00edcia e logo depois passou no concurso para trabalhar no Hospital da Pol\u00edcia Militar, tornando-se um dos m\u00e9dicos mais conceituados da cidade. <\/p>\n\n\n\n
E foi l\u00e1, naquele hospital, quando estava em um plant\u00e3o, que atendeu uma parturiente, que lhe pareceu familiar. Nervoso, fez a anamnese, mas arranjou uma desculpa qualquer, e repassou a paciente para uma colega. Ele j\u00e1 estava noutra fase da vida e n\u00e3o queria reviver um sentimento que marcara sua adolesc\u00eancia. Madu tamb\u00e9m n\u00e3o teceu coment\u00e1rio algum. Apesar de saber que o amor que fica…<\/p>\n\n\n\n
Ela tinha encontrado um homem de bom cora\u00e7\u00e3o, que lhe tirara “da vida”. Ele era um ex-seminarista, da mesma turma dos “meninos”, que em princ\u00edpio pretendia seguir com a orienta\u00e7\u00e3o religiosa, mas sucumbiu diante da situa\u00e7\u00e3o de Madu. De cara ele viu que ela era uma pessoa boa, mas muito sofrida pelos anos que passou sendo explorada pelo pai. E, empenhado em dar-lhe um futuro melhor, arranjou-lhe um emprego de carteira assinada na casa do tio, lugar onde morava. E assim, com a proximidade, ele acabou se apaixonando e desistindo do “projeto batina”. Na verdade, esse projeto era da sua m\u00e3e, que tinha o sonho de ter um filho padre.<\/p>\n\n\n\n
O ex-seminarista prestou vestibular para Odontologia. A comemora\u00e7\u00e3o foi \u00edntima; nem ele convidou os colegas da turma, nem muito menos fora convidado para nenhuma das festas. Ele n\u00e3o se incomodou com isso, pois nunca fizera parte de grupinhos. Passou despercebido todo o segundo grau, era um ser praticamente invis\u00edvel. A mudan\u00e7a de comportamento veio na faculdade, quando feliz por suas novas decis\u00f5es, destacou-se na turma, tornando-se um dos melhores alunos, fato que fez com que conseguisse facilmente est\u00e1gios nos consult\u00f3rios dos seus professores. Especializou-se em pr\u00f3teses e implantes dent\u00e1rios, sendo seu mais primoroso trabalho realizado na boca de sua amada, que n\u00e3o cabia em si com tamanha felicidade. Ele aproveitou o entusiasmo de Madu e fez o pedido de casamento:<\/p>\n\n\n\n
E Madu disse sim!<\/p>\n\n\n\n
A festa terminou para Madu antes da hora prevista. Os olhares dos “meninos” incomodaram bastante seu marido, embora ele soubesse o risco que corria quando decidiu ir. No fundo ele sempre soube que, para Madu, ele n\u00e3o passava do capitulo de um livro, enquanto para ele, ela era o pr\u00f3prio livro. A verdade que ele n\u00e3o queria enxergar era que Madu nunca esquecera o “galeguinho” mas, mesmo assim, fez quest\u00e3o de caprichar na harmoniza\u00e7\u00e3o facial da amada. Ele queria que todos os colegas ficassem com inveja, que vissem que ele se dera bem! Pobre coitado\u2026 N\u00e3o aguentou a press\u00e3o! Descobriu da pior forma que o amor que fica… \u00c9 amor de\u2026 ( completem a frase!)<\/p>\n\n\n\n
Ana Madalena<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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