Arquivos infância - Blog do Saber https://blogdosaber.com.br/tag/infancia/ Cultura e Conhecimento Mon, 26 Feb 2024 16:58:41 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.3 Os órfãos e as vicissitudes da infância https://blogdosaber.com.br/2024/02/27/os-orfaos-e-as-vicissitudes-da-infancia/ https://blogdosaber.com.br/2024/02/27/os-orfaos-e-as-vicissitudes-da-infancia/#respond Tue, 27 Feb 2024 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=4184 Ler mais]]> As guerras geram órfãos

As notícias de crianças órfãs durante as últimas guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza vêm comovendo as nações e causando fervorosas discussões em diferentes partes, embora o assunto não seja novidade em diversas outras localidades do mundo por anos a fio. 

O Movimento Ashinaga é uma organização japonesa sem fins lucrativos que prevê educar e apoiar estudantes órfãos em todo o mundo. Eles apontam que “a África Subsaariana tem a maior proporção de crianças órfãs em todo o mundo, com mais de um em cada 10 jovens tendo perdido um ou ambos os pais.”. A Ashinaga apoia, hoje, 46 países da África Subsaariana, possuindo escritórios em Uganda e no Senegal, entre outros territórios pelo mundo.

As grandes guerras são, normalmente, as primeiras a nos darem notícias dos impressionantes números de órfãos resultantes delas. Assim foi com o Holocausto, por exemplo, que gerou órfãos alemães, enviados em seguida para a África do Sul. Segundo Sandrine Bessora, autora de “Os Órfãos”, “para irrigar com ‘sangue puro’ a sociedade separatista do país” durante o apartheid. Para maiores informações sobre, acesse matéria do Estado de Minas

As problemáticas de uma África esquecida

No entanto, os conflitos internos, a violência e as doenças são elementos que  contribuem constantemente para o crescimento do número de jovens abandonados. 

Em 2011, o site das Nações Unidas publicou que das 16,6 milhões das crianças órfãs de pais infectados pelo vírus da Aids, 14,9 milhões vivem na África Subsaariana. Em 2000, um artigo da Folha de São Paulo revela que o continente chegou a registrar 60% das mortes a nível mundial.

Das 94 mil mortes em conflitos armados em todo o mundo no último ano, 56 mil, ou cerca de 60%, ocorreram na África negra. Dois terços do continente africano estão em guerra.
Crianças em campo de refugiados

Há quatro anos, o site da RFI publicou Dos 10 conflitos mais preocupantes em 2020, três são na África: região do Sahel, que envolve Mali, Burkina Faso e Niger, além de Somalia e Etiópia. Mais recentemente, matéria da UOL mostrou que a África é “o continente com maior número de conflitos duradouros em todo o planeta”. E mais: “De um total de 54 países que compõem a África, 24 encontram-se atualmente em guerra civil ou em conflitos armados…”, sendo Congo, Ruanda e Darfur os países onde ocorreram os maiores massacres.

Em termos de refugiados, os países asiáticos Afeganistão e Iraque apresentam o maior número, precedidos da Somália e do Congo. Já, o “maior campo de refugiados no mundo fica no Quênia”.

A história da infância

Bom, tudo isso pra dizer que em diversos países, a infância, como nós entendemos que deve se cumprir, simplesmente não existe e, talvez, nunca tenha existido – pelo menos, para boa parte das gerações. Crianças privadas de itens básicos, como escola, alimento, cuidados pessoais, segurança. 

Afinal, onde existe, a infância sempre foi assim como a entendemos? 

Gerda Lerner traz em sua obra ‘A Criação do Patriarcado’ uma visão da infância que muitos denominariam perturbadora. Mas, para quem costuma ler livros e assistir filmes de época ou de escravidão, provavelmente, não seria uma grande surpresa. 

Lerner reúne informações de historiadores para rever como se deu a construção da civilização. Desde a pré-história, com as sociedades de caçadores coletores, até o advento do capitalismo, e o papel da mulher durante essa transformação. Função esta necessariamente implicada a das crianças, afinal, explorava-se a sua capacidade de reproduzir cada vez mais escravos ou mão de obra.

Veja trecho do livro:

Durante um longo período, talvez séculos, enquanto homens inimigos eram mortos pelos captores, gravemente mutilados ou levados para áreas distantes e isoladas, mulheres e crianças tornavam-se prisioneiras e se incorporavam a casas e à sociedade dos captores.

Lerner cita Tucídides, em sua obra ‘História da Guerra do Peloponeso’:

Os atenienses reduziram os cioneus sitiando-os, mataram os homens adultos e fizeram mulheres e crianças de escravas…

Na China, “uma criança filha de uma pessoa livre com uma pessoa escrava era sempre considerada escrava.” Lerner ainda acrescenta que, segundo o historiador E. G. Pulleyblank, “Um escravo era um membro inferior da família de seu senhor e sujeito às mesmas obrigações […] que uma criança ou uma concubina”. Ou seja, aqui, ela introduz uma ideia do papel da criança não escrava na sociedade. 

As vicissitudes da infância

Na obra de Ana Laura Prates, ‘Da fantasia de infância ao infantil na fantasia’, ela destaca que essa ideia da criança enquanto ser social só começa a se construir a partir da Idade Média. 

A infância… era vista como um período de transição logo ultrapassado, não havendo, assim, a consciência da particularidade infantil. Tampouco havia as ideias de inocência e candura, posteriormente encontradas nas modernas fantasias de infância.

E cita, inclusive, que “Na Idade Média, era bastante comum os adultos tomarem liberdades com os órgãos sexuais das crianças”. Prates traz os estudos do historiador francês Phillipe Ariès, que atribuía essa ideia de “ausência de infância” ao alto índice de mortalidade “devido às precárias condições higiênicas e sanitárias”.

“O processo que Ariès denomina ‘descoberta da infância’ foi, portanto, bastante longo. Iniciou-se por volta do século XIII e pode ser acompanhado pelos séculos XV e XVI.”, que é quando, segundo Ariès, a mortalidade infantil começa a diminuir. Observa-se, inclusive, nesse período, “o aparecimento de nomes de crianças nas efígies funerárias, revelando um apego maior” a elas.

As concepções cristãs teriam contribuído para que a criança se transformasse em “um indivíduo possuidor de personalidade própria”, através, por exemplo, da ideia propagada da imortalidade da alma. Porém, com “uma razão ainda frágil”, a criança deveria ser submetida à instituição educacional, que até então se restringia à formação clerical.

…o início do surgimento deste “sentimento” deu-se exatamente na passagem do fim da Idade Média para o Renascimento, que corresponde a um grande movimento em direção ao que posteriormente seriam chamados “valores burgueses”… Neste sentido, pode-se constatar que a ideia moderna de infância é tributária da constelação familiar burguesa e do advento capitalista.
Fantasiando o infantil

Apesar da infância estar bem estabelecida em boa parte do mundo hoje, não significa que as crianças sejam tratadas da mesma forma nessa porção do globo. Contardo Calligaris, psicanalista e dramaturgo italiano, radicado em “terra brasilis”, investiga a cultura brasileira, trazendo seus estranhamentos, inclusive, em relação aos jovens, no seu livro ‘Hello, Brasil!’. 

Já mencionado aqui no blog, em O jovem contemporâneo: um sujeito sem lei?,  Calligaris mostra a sua indignação quanto ao comportamento das crianças de classe média no Brasil e observa que, aqui, existe um contraste curioso na forma como elas são tratadas: ou são majestades ou são dejetos.

Menina de classe média manifestando o narcisismo de forma intensa

O adulto brasileiro parece constantemente preocupado com o prazer das suas crianças. Para ser breve: no Brasil, a criança é rei. Curioso, tanto mais em um país cuja reputação no estrangeiro está comprometida com legiões de crianças abandonadas na rua.

A grosso modo, a teoria que Calligaris constrói ao longo de sua obra é a de que tanto os colonizadores quanto os colonos no Brasil acabaram se decepcionando com o país, pois não teriam encontrado aqui o que vieram procurar. Esses pais, então, sonhariam para os seus filhos aquilo que não conquistaram, tornando-se, assim, permissivos.

O lugar de majestade que a criança parece ocupar talvez não indique uma excelência simbólica, mas algum tipo de incondicional exaltação fantasmática da criança. O que, aliás, explicaria por que, quando essa exaltação fantasmática não sustenta a criança, ela passe a ser simples dejeto. É como se a sociedade, em razão de sua impotência para garantir o paraíso a cada criança, devesse escolher deixar impunes as tentativas criminais das crianças para ter acesso, justamente, ao paraíso.
Narciso sobrevive

Bom, tudo isso pra dizer que as vicissitudes da infância se dão conforme as necessidades. Ou melhor, conforme os desejos do ser humano, independentemente da época, mas que sempre é sustentado pelo narcisismo. Seja por domínio de território, seja por mão de obra barata, seja pelo paraíso ou pelo poder.

Finalizo, aqui, com a citação de Ana Laura Prates, na obra já mencionada, à Neil Postman, no seu ‘O desaparecimento da infância’:

uma cultura pode existir sem uma ideia social de infância. Passado o primeiro ano de vida, a infância é um artefato social, não uma categoria biológica. Nossos genes não contêm instruções claras sobre quem é e quem não é criança, e as leis de sobrevivência não exigem que se faça uma distinção entre o mundo adulto e o da criança.
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Vício: quando o conforto tem efeitos colaterais https://blogdosaber.com.br/2023/05/23/vicio-quando-o-conforto-tem-efeitos-colaterais/ https://blogdosaber.com.br/2023/05/23/vicio-quando-o-conforto-tem-efeitos-colaterais/#respond Tue, 23 May 2023 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=1555 Ler mais]]> Drogas lícitas e ilícitas

Algumas substâncias proibidas acabam tendo livre comercialização quando vendidas em formatos alternativos. Com as brechas na legislação, é possível fazer uso de algumas drogas sem ter que, digamos, esconder-se. Esse é o caso dos cogumelos psicodélicos, cujo componente alucinógeno é proibido, mas vendidos in natura atendem a lei.

Estudiosos apontam para um aumento do consumo dos fungos alucinantes juntamente com a maconha e elegem a divulgação dessas drogas, através de debates de descriminalização ou de séries documentais em plataformas streaming, como catalisador dessa onda de euforia.

Bom, acho que estamos esquecendo de citar aqui também as bebidas alcoólicas, certo? Pois é, apesar dos inúmeros casos de alcoolismo e de acidentes fatais envolvendo pessoas sob o efeito do álcool, este segue ileso e sendo fabricado a todo vapor. Mas, se seguirmos nesse raciocínio, podemos ir longe. Podemos citar o cigarro e, inclusive, os alimentos com excesso de sódio, gordura ou açúcar. Afinal, o que tem todos esses itens em comum? Eles são todos viciantes.

Compulsão à repetição

Entre liberação de dopamina e aumento dos níveis de opioides num organismo, ainda existe muito a ser desvendado. Mas o simples fato observável de tendermos a salivar e comermos compulsivamente ao vermos, sentirmos o cheiro ou colocarmos um pedaço de picanha gordurosa, uma empada ou um salgadinho ultra processado na boca é inegável. Por isso, esses alimentos têm sido comparados a algumas drogas, como o álcool e o cigarro. Drogas estas legalizadas.

Somado a isso, os alimentos mais viciantes são justamente aqueles que nos remetem as nossas infâncias: chocolates, docinhos, bolos, salgadinhos, salgados fritos e de forno, refrigerante. Isso tudo lembra ou não lembra uma festinha de criança? Pois é, esses são os alimentos mais fáceis de agradar as nossas papilas gustativas. Por isso é comum se dizer que uma pessoa tem paladar de criança quando só gosta de comer “porcarias” ou quando, por exemplo, mete um ketchup nos alimentos para disfarçar o sabor deles.

Conexão alimento-lembrança
Garoto se deliciando com um doce

Na Psicanálise, sempre nos referimos à infância porque é uma época em que normalmente somos cuidados por alguém. Tem alguém para nos alimentar e para nos dar colo, aconchego. Alguém que olha constantemente para nós. A infância, em grande parte dos casos, é um cenário seguro, pelo menos, até onde vai o nosso entendimento enquanto crianças.

Reviver sabores e odores da infância é mais que nostálgico. É real. Para a nossa psique, trata-se de uma realidade instantânea. Uma realidade onde nos sentimos seguros, mesmo que seja apenas por alguns minutos. Por isso combinar momentos de insegurança com alimentos que nos remetem lembranças felizes pode acabar funcionando como uma faca de dois gumes: conforta, mas a questão é “por quanto tempo necessitaremos permanecer nessa zona de conforto?”

Quando falamos de alimentos viciantes ou drogas, entramos na mesma região de perigo. No entanto, os excessos normalmente são cometidos quando nos encontramos em estados de fuga. Ou seja, quando a realidade é dura demais para conseguirmos lidar com ela. Sendo importante ressaltar aqui que as dificuldades dependem de um referencial, elas são relativas. Ninguém está apto a classificar as dificuldades dos outros, apenas as suas próprias.

Atenção!

Nos momentos difíceis, raramente, nos daremos conta dos nossos excessos, embora haja formas de tentar reduzir os estragos: mantendo uma alimentação saudável e evitando ter as “tentações” acessíveis, por exemplo. Claro que, para alguns, tratar-se-á de uma necessidade esporádica, mas, para outros, manter uma alimentação saudável e evitar as “tentações” podem ser tarefas que requerem uma energia descomunal. Neste caso, a procura por um profissional da saúde mental se faz necessário.

Os altos e baixos fazem parte das nossas jornadas, da excitante vida moderna construída dentro de um sistema capitalista. O que devemos avaliar é quanto permanecemos num pico ou quanto permanecemos num vale. E ainda mais importante: o quanto esses picos e vales nos afetam emocional e fisicamente.

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Terror nas escolas: a iminência do ataque https://blogdosaber.com.br/2023/04/18/terror-nas-escolas-a-iminencia-do-ataque/ https://blogdosaber.com.br/2023/04/18/terror-nas-escolas-a-iminencia-do-ataque/#respond Tue, 18 Apr 2023 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=1303 Ler mais]]> Nos últimos meses, estivemos sendo surpreendidos por ataques realizados nas escolas do Brasil. Um drama que tem acometido todas as famílias constituídas por crianças e adolescentes. “Será que meu filho corre perigo?”

Atos violentos

A gente pode tentar o que for para evitar a raiva, ou melhor, evitar transparecer a raiva. Mas, não se engane, ela está ali. É na forma como ela vai sair do seu corpo que está a questão. A gente acha errado, não quer sentir, e acabamos reprimindo-a. O fato é que a pulsão agressiva faz parte da natureza humana, do instinto de sobrevivência. E se a gente não souber como lidar com ela, em algum momento, ela vai nos dominar.

“Extravasa! Libera e joga tudo pro ar!”

Não é preciso dominá-la, mas extravasá-la. De alguma forma que, dentro de uma civilização, seja aceitável. Há várias formas de fazer isso: brincando, principalmente em jogos de disputa, praticando exercícios físicos, em especial os aeróbicos, dedicando-se a algum tipo de atividade artística, como o teatro, a música ou a pintura, ou até mesmo ocupando posições profissionais que requeiram um perfil de cobrança, como cargos de liderança ou de coach.

Existem diversas situações do dia a dia que colocam em xeque a nossa tolerância emocional. No frigir dos ovos, tudo aquilo que nos contraria está nos testando. Aí entra, então, o papel do reconhecimento bem como o da frustração na infância. Fundamentais para que o indivíduo compreenda que nem tudo na vida se tratará dele. Assim, os pais precisam entender que uma coisa é ter um ambiente controlado, que é o meio familiar. Outra coisa, totalmente diferente, é o fora da porta de casa. Lá, o indivíduo encontra todo tipo de situação e com os mais diversos tipos de pessoas. Ou seja, o sujeito fica exposto ao desconhecido, ao indeterminado.

Sim, é preciso dizer não!

Se as pessoas não entram em contato com a frustração desde a sua mais tenra idade e não sabe como extravasar a raiva proveniente daquele sentimento, será realmente difícil lidar com o que as contraria nas fases seguintes. Então, tudo pode acontecer, inclusive o inimaginável. A iminência do ataque, da explosão, do desabafo, estará sempre presente. E não só nas escolas, mas em qualquer lugar.

Porém, também é preciso reconhecer…

Toda criança precisa ser reconhecida como indivíduo. Precisa ser olhada, amparada. Ela deve se sentir importante, mas não a ponto de estar acima das outras pessoas. É uma questão de balanço.

Quando se trata de sobrevivência, tema também abordado no texto Poder e submissão: até que ponto o estado é efetivo contra a violência doméstica?, procuramos vítimas mais vulneráveis, menores que nós, mais fracas ou frágeis que nós. Por isso ataques a crianças são preferidos pelos agressores. Além disso, a escola é, muitas vezes, uma representação da nossa primeira exposição ao mundo real, onde sofremos bullying, onde somos forçados a estudar, a nos comportarmos, ou seja, onde somos contrariados constantemente. Uma planta piloto de frustrações.

E qual a saída do caos?

Se as famílias não são garantia de uma educação adequada, as escolas, necessariamente, têm que ter esse papel. Precisamos de instituições de melhor qualidade, que consigam dar atenção individual, envolvendo também as famílias. As atividades terapêuticas e o acompanhamento dos casos precisam fazer parte de uma rotina escolar. A infância é a fase de maior vulnerabilidade e de menor resistência. Se existe um momento de agir e ter êxito, é ali! E, afinal, que tipo de jovens queremos formar? E com que tipo de adultos queremos lidar?

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